quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Tragédia Em Santo André - Parte 3

Texto referente ao post de Terça-feira, 21 de Outubro de 2008

Erros, erros e mais erros. É assim a análise que podemos fazer da ação policial no seqüestro de Santo André. Abordaremos aqui alguns equívocos do GATE (Grupo de Ações Táticas Especiais) na administração do crime que chocou o Brasil.

O ponto crucial, e mais criticado por todos os especialistas em ações criminais com reféns, foi à volta de Nayara ao cativeiro. Nunca na história da humanidade houve algo semelhante a isso. A maior irresponsabilidade da polícia brasileira em toda a história. Segundo o comandante do Batalhão de Choque da Polícia Militar de São Paulo, coronel Eduardo José Félix, a volta da adolescente Nayara fez parte da estratégia de negociação e a garota poderia sair do local no momento que quisesse. Porém, José Félix disse, em uma coletiva, que Nayara não deveria ter entrado no apartamento novamente. Segundo ele, a adolescente deveria ir apenas até o corredor que dá acesso ao apartamento. No entanto, uma pergunta fica no ar: Por que não havia nenhum policial acompanhando a garota com uma proteção adequada (no caso, um escudo)?? Caso Lindemberg tentasse algo contra Nayara, o que os policiais poderiam fazer, já que a adolescente estava sozinha perante o apartamento em que o seqüestro se instalara?? Uma falha estrondosa assim não pode ser tolerada! É inexplicável porque a polícia não tomou as devidas precauções para com a vida de uma refém. Nem mesmo a autorização dos pais seria suficiente, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, para um retorno da adolescente ao cativeiro.

A demora nas negociações e a demora na invasão do apartamento também são erros incompreensíveis da polícia. É provado que quanto mais uma negociação se estende, mais o seqüestrador tem tendência a uma alteração maior das emoções. Isso, aliado a intervenção da mídia no caso, apenas prejudicou no desfecho do caso. O treinador da SWAT nos EUA, Marcos do Val, fez duras críticas a essa demora na negociação. Segundo ele, a SWAT estabelece um prazo máximo de 24 horas para a rendição do seqüestrador. Caso isso não aconteça, eles invadem o local do crime e resgatam os reféns. Mesmo assim, segundo Marcos, o seqüestro mais longo que a SWAT de Dallas trabalhou, durou cerca de 9 horas. Eficiência é outra coisa...

Se o objetivo da polícia era cansar o seqüestrador, podemos ver que ele não foi alcançado. E mesmo que essa hipótese tivesse fundamento, por que não matar o seqüestrador? O Brasil tem que parar de tratar o bandido como celebridade, como herói. Não importa se o seqüestrador era um homem de apenas 22 anos, trabalhador e com uma desilusão amorosa. O que se torna realmente relevante, é o fato de que um cidadão está colocando em risco a vida de outras pessoas. Não importa a idade, a classe ou a raça. Há vidas inocentes correndo risco de serem extintas. A prioridade deveria ser a vida das reféns e não do bandido.

O coronel José Félix, quando perguntado sobre o porquê de não ter matado o seqüestrador, respondeu que da mesma forma que muitos estavam culpando-o por ter falhado ao tentar salvar as reféns de forma ilesa, iriam criticá-lo por matar um jovem de 22 anos que sofria por amor. Ora caro coronel, é melhor ser julgado pela morte de um criminoso, do que ser criticado pela morte de uma refém inocente. Nesse caso, essa “desculpa” não tem fundamento. Além disso, José Félix estava há cerca de 2 meses no comando do GATE, o que (convenhamos), não é uma experiente capitania. Ai entra outro erro na operação policial: por que não colocar o melhor e mais experiente comandante de operações com seqüestro do Brasil (Capitão Dalle Lucca) no comando do resgate?? Segundo uma matéria da VEJA On-line, “Diógenes Viegas Dalle Lucca é o mais experiente e bem formado negociador da polícia brasileira. Especialista em desativação de explosivos, fez cursos de negociação, invasão e outras técnicas em Israel e nos Estados Unidos. É formado em direito e em educação física e é pós-graduado em políticas estratégicas pela Universidade de São Paulo”. O próprio Marcos Do Val, treinador da SWAT, comentou que, particularmente, Lucca é o maior negociador do mundo e que não entendia como ele não fazia parte das negociações. Reconhecido em vários países da Europa e da América, Lucca foi o principal responsável pela rendição do seqüestrador Fernando Dutra Pinto, que invadiu a casa do apresentador Sílvio Santos em 2002. São incoerências incapazes de serem esclarecidas...

A invasão do apartamento onde Lindemberg mantinha Eloá e Nayara reféns é talvez a grande questão que envolve esse caso. Os policiais dizem ter ouvido um disparo vindo do interior do cativeiro, porém, além deles, ninguém ouviu nenhum barulho estranho. Aceitemos a versão dos policiais. No entanto, perguntamos: Por que a invasão se deu de forma tão lenta? Por que ela não foi feita de forma simultânea? Qual o motivo de tamanha desorganização para invadir o cativeiro? São perguntas difíceis de serem respondidas? Creio que não...

O motivo de todos esses erros referentes a invasão, são respondidos com apenas uma palavra: despreparo. No Brasil, sabemos que o investimento no setor de segurança pública não é notável. Com isso, fica difícil conseguir realizar treinamentos suficientemente bons para que não haja catástrofes como essa. O policial paga a arma do próprio bolso. Paga alguns treinamentos. Paga para exercer sua profissão! Isso é incompreensível. Esse total despreparo pode ser exemplificado com a cena que vemos no resgate de Eloá. Um dos policiais, pega Eloá nos braços, com risco de agravar alguma possível lesão cerebral ou cervical. Caso um dos tiros não tivesse sido fatal, o policial poderia ser um dos responsáveis por Eloá ficar paraplégica ou tetraplégica. Não adiantava ter pressa de forma extrema. Deveriam deixar que a equipe médica chegasse até a vítima (coisa que aconteceu com muita dificuldade e demora) para avaliá-la e colocá-la em um equipamento próprio para a remoção da mesma. Nem equipe médica havia fora do apartamento. Existia apenas um médico tentando desesperadamente passar entre os policiais que espancavam e tentavam conter Lindemberg. Encontramos aí outro erro: a ausência de uma técnica eficiente de imobilização. Uma vergonha para a polícia brasileira...

Essa crítica aos erros policiais no seqüestro de Santo André, vai além da condenação da ação do GATE na ocasião. O que devemos perceber e questionar é a política que envolve a segurança pública e a polícia em geral. A culpa real de toda essa tragédia está nas costas de quem gere a segurança da nação. Deixemos de lado a ignorância! Notemos o verdadeiro responsável por essa tragédia: o próprio sistema brasileiro de segurança.

Por fim, gostaríamos de deixar os nossos mais sinceros sentimentos quanto ao falecimento de Eloá Cristina da Silva. Pelo que parece, Eloá era uma menina de bem que não merecia um fim trágico como esse. Esperamos que o depoimento de Nayara possa esclarecer todos os fatos dessa que, infelizmente, será uma inesquecível tragédia.

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